Opiniões que ninguém pediu 6
Opiniões que ninguém pediu 6
Por Jordana Herzog e Filipe Teixeira
Dezembro, 2022.
O que assistimos:
Aviso: Filipe e eu estivemos completamente copalizados em dezembro, tendo atingido as 32 partidas assistidas só nos primeiros dias. Portanto, nossa capacidade de assistir, ler e ouvir qualquer coisa que não envolvesse homens correndo atrás de uma bola ficou comprometida temporariamente. Vos entregamos uma breve edição, para nos despedirmos de vocês com um “até logo”.
Jordana: “Bones and all” (Luca Guadagnino, 2022). Adolescentes com famílias problemáticas, que abandonaram a escola e vagam sem rumo por aí nos Estados Unidos, passando por belas paisagens à beira de estrada clássicas, se conhecem e se apaixonam. Porém, a história que pode parecer clichê tem um twist: eles são canibais. O filme tem esse belo contraste entre o canibalismo brutal e a ternura do primeiro amor, embalado por uma trilha sonora com Leonard Cohen, Joy Division, Kiss, New Order e os gênios Trent Reznor e Atticus Ross. A fotografia também é linda e, de alguma forma, toda a montagem cinematográfica foi uma experiência bem emocionante pra mim. Com Timothée Chalamet e Taylor Russell.
Filipe: Gol Contra (Pablo Gonzalez, C.S. Prince, 2022). Netflix. No final do documentário Todos os Corações do Mundo, que conta a história da Copa de 1994 (#sdds), há uma homenagem a Andrés Escobar, o zagueiro colombiano que fez um gol contra na derrota para os EUA por dois a um na fase de grupos do torneio. Aquela Colômbia era um grande time e chegava como uma das favoritas ao título, ou pelo menos com chances de fazer uma ótima campanha, já que contava com nomes como Valderrama, Rincón, Perea, Asprilla, o FOLCLÓRICO goleiro Higuita e El Caballero del Fútbol Andrés Escobar. Uma das credenciais foi a maiúscula vitória contra a Argentina por cinco a zero em pleno Monumental de Núñez pela última rodada das Eliminatórias. Porém os cafeteros foram eliminados na primeira fase e, ao retornar ao país, o camisa 2, autor do gol contra, foi assassinato por sicários ligados a narcotraficantes que haviam perdido muito dinheiro em apostas. A minissérie começa com uma sequência de cenas de pessoas ligadas a Andrés recebendo a notícia do assassinato e retorna ao final dos anos 1980, para contar a história do zagueiro que tentava se firmar no Atlético Nacional de Medellín, o time que seria campeão da Libertadores de 1989 e base da seleção colombiana das duas Copas seguintes. São seis episódios que alinhavam a trajetória do jogador, do time, de alguns companheiros de equipe — como o goleiro Higuita —, do técnico Francisco Maturana (que na série se chama Pacho) e de um período especialmente violento da história colombiana, sendo alguns dos personagens e eventos ficcionalizados por questões narrativas. Tendo já assistido a alguns capítulos de novelas colombianas, posso garantir que a minissérie bebe muito desse gênero, e a qualidade artística deixa a desejar, principalmente as reproduções das partidas, um problema recorrente em produções sobre futebol. E não é só isso, as atuações, a direção de arte, a montagem são muito novelescas, forçadas demais. Mas TÁ TUDO BEM, principalmente se você quiser se concentrar na história e usar a série como ponto de partida pra se aprofundar no assunto. Por fim, um aviso: dá uma bad pesadíssima no final. Vá sabendo.
O Amante de Lady Chatterley (Laure de Clermont-Tonnerre, 2022). Netflix. Essa é uma das histórias de amor mais bem escritas da vida toda. Li o livro muito tempo atrás, numa época que nem de longe eu estava preparado pra alcançar todas as dimensões que essa obra apresenta. De qualquer forma, é um livro marcante, já que, quase 100 anos após sua publicação, continua atual, rendendo discussões e adaptações para outras mídias. A mais recente é o filme dirigido por Laure de Clermont-Tonnerre, com Emma Corrin (a lady Di da quarta temporada de The Crown) no papel de Lady Chatterley, e Jack O’Connell interpretando Oliver Mellors, O AMANTE. O argumento do filme pode até parecer batido: uma aristocrata casada com um homem que não lhe dá atenção encontra o amor nos braços de outro. Mas o roteiro, a fotografia absurda e as atuações extremamente sinceras transformam essa trama aparentemente banal em um filme muito marcante, além de lindo. Destaque para a carta que Mellors escreve para Lady Chatterley em um momento do enredo que não vou dizer qual é e que fez a Jordana chorar em posição fetal com o olhar vazio na penumbra do seu quarto. Agora uma curiosidade: é a segunda adaptação do romance de D. H. Lawrence realizada por uma diretora francesa. Em 2006, estreou Lady Chatterley, dirigido por Pascale Ferran.
Adendo da Jordana: A adaptação da Netflix de O Amante de Lady Chatterley foi uma coisa muito linda de se ver. Talvez sim eu tenha chorado em posição fetal com o olhar vazio na penumbra do meu quarto, porque a carta do Mellors é um dos meus finais literários favoritos. Então, como adendo, deixo aqui alguns trechos dela:
"O dinheiro envenena quem tem e mata de fome quem não tem." (Um grande comunista)
"Qualquer homem precisa fazer o possível e o impossível pelo que é melhor e acreditar em alguma coisa que vá além de si mesmo."
"Agora, nem consigo parar de lhe escrever. Mas muito de nós dois está unido e só podemos ser fiéis a isso e orientar nossos rumos para que se cruzem logo. John Thomas dá boa noite a Lady Jane, um pouco cabisbaixo, mas com o coração repleto de esperança..." (Suspiros!)
Eike: Tudo ou Nada (Dida Andrade, Andradina Azevedo, 2022). Netflix. Isso aqui não é bem uma indicação, porque esse filme passa longe de ser bom. Mas quero falar sobre ele por outro motivo: a importância de conhecermos nossa própria história. Eu tive a mesma sensação quando assisti a Assalto ao Banco Central, um filme de qualidade duvidosa, mas que conta um acontecimento nosso, em cenários nossos. O filme é baseado no livro Tudo ou nada: Eike Batista e a verdadeira história do grupo X, da jornalista Malu Gaspar, e narra a trajetória do bilionário E CHARLATÃO brasileiro Eike Batista. A estética é aquela a que nos acostumamos a ver nas novelas, completamente pasteurizada e com diálogos da escola Christopher Nolan, que subestimam nossa inteligência de tão explicativos que são. Mas, apesar de deixar a desejar em termos técnicos e artísticos, pra mim esse filme cumpre um papel importantíssimo, que é servir de ponto de contato entre nós e nossa história, algo que considero de valor inestimável.
O que lemos:
Jordana: Nada. A organizadora do Fortalendo não leu absolutamente nada em Dezembro, rs. Semibrincadeira, gente. De fato vim pegar em um livro agora na última semana, então ficarei sem resenha nova aqui esse mês. Vos trago a resenha do meu livro eleito favorito de 2022, e a sugestão de leitura desse artigo do The New Yorker intitulado: “Estou animado para anunciar que nada está rolando comigo.” Em clima de festas de fim de ano em que você entra em contato com várias pessoas que não vê há tempos e é obrigado a ir a confraternizações para (ugh) confraternizar, Alex Baia escreveu esse artigo sobre como seria responder sinceramente que nada, nada mudou e nada interessante está acontecendo na sua vida pessoal. E está tudo bem.
Já como melhor livro de 2022 de acordo com moi…
Almond (Amêndoa), de Won-pyung Sohn (HarperVia, 2020. Trad. de Sandy Joosun Lee). “Essa é uma história sobre um monstro conhecendo outro monstro. Um dos monstros sou eu”, começa nosso narrador, Yunjae. É um jovem que nasceu com uma rara condição cerebral chamada alexitimia, que torna difícil sentir, identificar e expressar emoções. Suas amígdalas (suas amêndoas) são menores que o normal, e emoções são apenas palavras vagas. Ele conta com a ajuda da mãe e da avó para lembrá-lo quando pedir desculpas, dizer obrigado e quando sorrir. Quando ambas são brutalmente assassinadas na sua frente, Yunjae se encontra sozinho, sem nenhum guia em um mundo difícil. É aí que conhecemos o segundo monstro da história, Gon, um garoto problemático que se perdeu da mãe quando criança e acabou parando em um reformatório. O que iniciou com bullying de Gon contra Yunjae se torna uma forte amizade. A obra coreana é bem trágica, mas todas as histórias e personagens são extremamente tocantes e bem trabalhados. Me causou muita comoção. Como o próprio narrador diz: é impossível saber se uma história é feliz ou trágica. E todos esses sentimentos aparecem através da história de um garoto que não pode sentí-los.
Filipe: Colombia: Una Nación a Pesar de Sí Misma, de David Bushnell (Tradução para o castelhano de Claudia Montilla V.). Já deu pra perceber que eu gosto de coisas relacionadas à Colômbia né? Quando cheguei lá pra dar aulas de português no início de 2012, comprei esse livro pra me inteirar da história do país que estava me acolhendo, além de dar uma garibada no meu castelhano (espanhol é uma invenção imperialista). Devo ter lido meio capítulo. Porém, nunca é tarde, e agora, 10 anos depois, li tudo. Assim como outros países da América Latina, a Colômbia teve seus povos originários massacrados, suas riquezas naturais exploradas e sua soberania desrespeitada pela metrópole europeia primeiro e pelos EUA depois, com a Inglaterra no meio. Claro que possui suas peculiaridades, mas, de forma geral, passou pelos mesmos processos de outras nações sul-americanas, inclusive na formação de uma elite econômica entreguista e focada no intuito de manter seu status quo e, consequentemente, as desigualdades sociais. Tudo isso foi contemplado na obra do colombianista estadunidense David Bushnell. E, obviamente, por se tratar de uma história de mais de cinco séculos, os eventos são condensados, mas as vastas referências bibliográficas são um prato cheio pra quem quiser estudar mais detalhadamente a respeito do nosso vizinho. Falei mais sobre a obra no meu Instagram e Skoob.
O que ouvimos:
Jordana: “Indigo”, RM (2022). O álbum solo do coreano líder do BTS foi um grande primor de 2022, não obstante já nasceu aclamado pela crítica. Uma mistura de rap com um instrumental jazz/blues/soul e com participações internacionais, incluindo a brasileira Erykah Badu e o vencedor do Grammy Anderson Paak. Foi lançado acompanhado de uma apresentação deliciosa no Tiny Desk!
Harry Styles (toda a discografia). Em dezembro eu tive a oportunidade maravilhosa de ver o Harry Styles pessoalmente (realidade: dormi num aeroporto por causa de um homem calvo). Tirando uns perrengues de show lotado que a gata aqui beirando os 30 inventou de passar como se tivesse 18, foi uma experiência incrível. Antes do show, eu só apertei muito o play na minha playlist de favoritas dele, Sign of the Styles (sim, gente, eu me orgulho desses trocadilhos). O primeiro álbum segue sendo meu favorito, com destaque para as faixas mais rock como Kiwi e Only Angel.
Father John Misty (quase toda a discografia, para ser sincera). Teriam um momento para ouvir a palavra de Father John Misty? Já esse foi um show que lamento amargamente não ter tido a oportunidade de ver. FJM é um dos meus artistas favoritos da atualidade. Seu estilo musical mescla indie, folk e alternativo e conta com letras ora ultrarromânticas, ora ácidas acerca de como ele vê a América. “I love you, honeybear” (2015) é meu álbum favorito dele e trilha sonora perfeita para um domingo.
Filipe: Copa em Preto (História Preta, 2022). Segunda edição seguida da newsletter que indico uma série do História Preta, o podcast comandado pelo Thiago André que tem a missão de apresentar as memórias da população negra no Brasil e no mundo. No mês da Copa do Mundo, ele lançou uma minissérie em quatro episódios pra falar sobre a participação de jogadores negros na Seleção Brasileira, de Arthur Friedenreich a Pelé. Para além do jogo em si, o Thiago analisa a questão racial, fator central na gênese da canarinha, mesmo antes de o selecionado brasileiro se chamar assim. Aliás, um dos episódios é sobre o goleiro Barbosa, apontado injustamente (afinal é um esporte coletivo) como culpado e estigmatizado pela derrota do Brasil em 1950 para o Uruguai no que se convencionou chamar de final daquela primeira Copa sediada por nós.
1001 Discos para Ouvir Antes de Morrer. Como a Jordana falou lá em cima, a copalização extrema a que me submeti desde que o árbitro deu início à partida entre Catar e Equador até Lionel Messi levantar a taça me impediu de fazer as coisas que normalmente faço na vida. Por isso, este mês só ouvi dois discos, o primeiro foi Tonight’s the Night (1975) do Neil Young, que já chegou metendo o pé na porta em 10º lugar no ranking e, já que o clima de Copa ainda não saiu de mim, o canadense emplacou seu hat-trick com 3 discos entre os 10 melhores, o que me leva a concluir que TALVEZ eu goste mais de Neil Young do que supunha antes de conhecer sua obra. O outro disco foi channel ORANGE (2012), de Frank Ocean. Mesmo não sendo meu estilo de música favorito, gostei demais do disco, principalmente da faixa “Bad Religion”, uma letra primorosa sobre um tema que, segundo li, não era muito abordado no gênero rap/hip hop até então. As playlists com minha música preferida de cada disco estão no Spotify, Deezer e YouTube.
First Band on the Moon - The Cardigans (1996)
Moon Safari - Air (1998)
Everybody Knows This Is Nowhere - Neil Young with Crazy Horse (1969)
Live! - Fela Ransome-Kuti and The Africa '70 with Ginger Baker (1971)
Mr. Tambourine Man - The Byrds (1965)
Live at the Apollo - James Brown (1962)
Aja - Steely Dan (1977)
Ragged Glory - Neil Young and Crazy Horse (1990)
Inspiration Information - Shuggie Otis (1974)
Tonight’s the Night - Neil Young (1975)
Quem somos:
Jordana: Graduada em Psicologia. Acabou enveredando para a tecnologia, onde atua como Search Engine Evaluator. Gosta de filmes e séries de boneco (lê-se Marvel, DC, Star Wars, Lord of the Rings e mais), anime, gatos, literatura e de estar com quem se ama. Comanda o @fortalendo no Instagram e já publicou textos no Bemdito.
Filipe: Graduado em Letras. Já trabalhei como professor, mas hoje atuo como tradutor freelancer. Passei a gostar de cachorros recentemente, mas ainda tenho ressalvas quanto a tomar sorvete na sobremesa. Escrevo de forma amadora e bem esporádica e talvez um dia eu tome vergonha e publique um livro. Tem alguns dos meus textos aqui.