Opiniões que ninguém pediu 14
Opiniões que ninguém pediu 14
Por Jordana Herzog e Filipe Teixeira
Outubro (e meados de Novembro), 2023.
O que assistimos:
Jordana:
Loki - 2ª Temporada (Michael Waldron, Disney+, 2023). Simplesmente: uau. A Marvel vêm decepcionando nas últimas produções, mas a primeira temporada foi sensacional e assim seguiu a segunda! Loki navega por diferentes linhas do tempo junto de Mobius, em busca da Ravonna Renslayer e Miss Minutes, tentando salvar a TVA e impedir a guerra multiversal. O elenco ganhou um brilho a mais com o carismático Ke Huy Quan, interpretando Ouroboros. Não coincidentemente, a temporada toda gira em torno desse conceito da serpente cíclica engolindo a própria cauda, inclusive encerrando com um episódio de mesmo nome do primeiro, da primeira temporada: “Glorioso Propósito”. Loki sempre diz que esse é seu fardo, ter um propósito glorioso. Ver ele alcançar isso e tornar-se verdadeiramente um deus, sacrificando-se para salvar aqueles que ele ama, foi bem emocionante. Visualmente, a série também está impecável. Recomendo assistir alguns vídeos no YouTube que explicam melhor os detalhes de cada episódio.
Attack on Titan - Final Season: The final chapters. Aviso logo que essa vai ser minha edição mais otaku (até agora). Diferente de muita gente, eu não acompanho AOT há 10 anos (!), fui assistir este ano e desde o começo foi um anime que me prendeu muito, inclusive falei sobre aqui. Adaptado do mangá de Hajime Isayama, é ambientado num mundo pós-apocalíptico em que os humanos sobreviventes vivem escondidos dentro de muralhas gigantescas que os protegem de titãs canibais. Quando a muralha é invadida por um, três jovens amigos decidem se juntar ao exército para lutar contra eles. A saga, que passou por incontáveis reviravoltas, chegou ao fim de uma maneira muito linda e comovente. É difícil imaginar uma obra ocidental que aborde a complexidade da guerra, do desejo de liberdade, do preconceito, do amor, da amizade e do companheirismo na luta como AOT faz, e é por isso que sigo me apaixonando por esse universo. O final compila os últimos dos 139 capítulos do mangá (140 é o número da liberdade no Japão, e os 139 são propositais para simbolizar o que eles nunca alcançaram), com melhorias nos diálogos que parecem ter agradado os fãs como um todo. Eren Jaeger foi nosso vilão, herói, anti-herói, antagonista, protagonista e seguirá dividindo opiniões sobre seus atos a la Thanos. Apesar de o anime ter acontecimentos que ficaram sem explicação, achei o final coerente e realista: guerras são sempre cíclicas e impiedosas, mas a vida humana insiste em perdurar e sobreviver, movidos por aqueles que amamos e por nossos pequenos momentos insignificantes nos quais sentimos alegria.
Iterasshai, Eren.
Shiva Baby (Emma Seligman, 2021). Esse foi indicação do Filipe que, assim como eu, é fã da Rachel Sennot. O filme é uma comédia com a sensação de assistir a uma peça de teatro. Rachel interpreta Danielle, uma universitária millennial judia em um shivá, um tipo de velório característico da religião. Lá ela encontra uma ex-namorada, o atual casinho e sugar daddy que chega com a esposa e o bebê, e passa uma tarde inteira sofrendo pequenos momentos de grande constrangimento, como aqueles comentários-alfinetes que só podem vir da nossa família e que fazem a gente sentir a mesma ansiedade e claustrofobia que ela.
Filipe: Bauhaus: A Vanguarda Centenária (Thomas Tielsch, Niels Bolbrinker, 2018). FilmeFilme. A escola de arte alemã Bauhaus foi tão revolucionária que transcendeu sua proposta e se tornou um movimento arquitetônico e de design. Neste documentário, conhecemos a origem, as bases teóricas, alguns de seus membros mais icônicos e profissionais que foram influenciados pela escola. O melhor aspecto do filme é seu didatismo, pois, ao tratar de conceitos muito específicos, principalmente porque envolvem as abstrações típicas de um movimento artístico, é uma característica muito bem-vinda deste documentário pra pessoas como eu, que tem os pés fincados demais na realidade.
Duna (Denis Villeneuve, 2021). HBO Max. Denis Villeneuve me conquistou quando assisti ao magistral Incêndios. Depois, manteve a qualidade com Sicario: Terra de Ninguém e com o filme mais tenso do mundo, Os Suspeitos. Em A Chegada, o filme do curso de Letras, subverteu a ficção científica ao negar a ideia do alienígena invasor e bélico e alçar uma LINGUISTA ao papel de heroína da história. Portanto, quando saiu a notícia de que ele adaptaria o clássico de Frank Herbert para o cinema, sabia que estaria em boas mãos. Nunca li o livro, mas sabia da sua existência devido ao documentário Duna de Jodorowsky, sobre o projeto de 1975 do diretor chileno-ucraniano de transportar a obra de Herbert para as telas com trilha de Pink Floyd e participação de Salvador Dalí, e à adaptação que o David Lynch fez em 1984. Mas finalmente falando sobre o filme de 2021, já nos primeiros frames dá pra entender por que Villeneuve insistiu tanto pra que sua produção não fosse direto para o streaming. Cada cena é monumental, explorando os altíssimos pés-direitos das construções, as naves imponentes e a natureza exuberante dos planetas retratados. O elenco é um primor, com o indiscutível Oscar Isaac no papel do Duque Leto Atreides, Rebecca Ferguson como Jessica Atreides, o onipresente Timothée Chalamet como Paul Atreides e Zendaya como Chani, que terá mais protagonismo na continuação que sairá este ano. A trilha sonora acompanha a grandiosidade dos cenários e o climão de treta iminente que preenche a atmosfera. A trama gira em torno de um embate político entre a casa dos Harkonnen, liderada pelo Barão Vladimir (Stellan Skarsgard), e dos Atreides, que rivalizam pelo controle da colheita de uma especiaria abundante no desértico planeta Arrakis, lugar habitado pelos Fremen, núcleo cujos protagonistas são Chani e Stilgar, interpretado por ninguém menos que Javier Bardem. Esse conflito político é o cerne da narrativa, cheia de metáforas relacionadas ao mundo real, levantando questões sobre exploração de recursos naturais, despotismo, opressão de populações vulneráveis, religião, entre outros. Tudo isso emoldurado por uma fotografia belíssima. O ponto negativo do filme é seu desfecho. Embora saibamos que a história continua, a luta final entre Paul e Jamis (Babs Olusanmokun) poderia ter recebido mais atenção, afinal é o rito de passagem do herói. Mas nada que macule de forma definitiva o resultado final.
Loki — 2ª temporada (Michael Waldron, 2023). Disney+. Mesmo as mais elogiadas produções da Marvel pós-Vingadores Ultimato ficaram com um gostinho meio amargo, como se, após a virada dos 10 anos do estúdio, algo tivesse se perdido. Mas aí veio a segunda temporada de Loki e, gente!, quê que é isso hein? Foi a Marvel em seu melhor. Apesar de o tema multiverso ser complicado por natureza, principalmente se somado a viagens temporais, o roteiro é muito bem trabalhado e todas as explicações necessárias estão dentro da série, seja na primeira, seja na segunda temporada. Tom Hiddleston dispensa comentários. Desde o primeiro Thor, ele demonstrou tanto talento e carisma que seu personagem passeou por todas as fases do MCU transitando entre a vilania pura do primeiro filme ao herói que se sacrifica por um bem coletivo no último episódio da série que leva seu nome. E toda essa trajetória foi muito bem costurada. Um exemplo do esmero com que o arco desse personagem foi delineado é a frase que ele diz ao chegar à Terra no primeiro Vingadores:
Essa expressão, “glorioso propósito”, é retomada na série, servindo como título para o primeiro episódio da primeira temporada e para o último da segunda, dando a ideia de um ciclo que se fecha, partindo do conceito que ele tinha sobre o que seria esse glorioso propósito ao que de fato se tornou. E embora os eventos de Vingadores tenham ocorrido há 11 anos, o Loki que vemos na série não é aquele que se juntou a Thor, Hulk e a Valkíria pra salvar Asgard em Thor: Ragnarok e que morreu nas mãos de Thanos em Vingadores: Guerra Infinita, é ainda o Loki que foi derrotado no primeiro Vingadores e que vimos se teletransportar ao pegar o Tesseract em Vingadores: Ultimato. Portanto, tudo o que acontece desde que ele foi capturado pela TVA é vivido pelo Loki prepotente e que engana até as pessoas mais próximas pra atingir seus objetivos. Daí a dimensão do seu aprendizado. Mas além de Tom Hiddleston, o resto do elenco é sublime, principalmente Owen Wilson (Mobius) e Ke Huy Quan (Ouroboros), que transborda carisma a cada aparição. Jonathan Majors entrega muita versatilidade ao interpretar dois personagens com tanta segurança que, em determinada cena, uma de suas variantes, Aquele que Permanece, tira sarro da gagueira de Victor Timely, também interpretado por ele. Com menor destaque, mas ainda assim muito competentes, Sophia Di Martino (Sylvie), Gugu Mbatha-Raw (Ravona Renslayer) e Tara Strong (Miss Minutes) completam o elenco principal. Fora isso, a série é visualmente impecável. Desde a primeira temporada, é possível perceber o zelo da produção ao estabelecer o contraste entre o marrom/laranja com climão de repartição pública da TVA e o roxo meio aurora boreal cósmico da cidadela. No último episódio, quando Loki caminha até a cidadela se transformando no deus que deveria ser, a explosão de verdes da árvore formada pelas linhas temporais entrelaçadas — agora protegidas e não mais podadas pela TVA — encerra a série com muita competência. Agora, tudo pode acontecer na Saga do Multiverso, e apesar de ter sido um grande deus ex-machina pra resolver um caminho que já se demonstrava tortuoso, entreteve e emocionou, como deve ser.
O que lemos:
Jordana:
Jujutsu Kaisen: O incidente em Shibuya (Gege Akutami, 2020). Depois de pegar tanto spoiler na internet desse arco, cujos episódios do anime estão saindo semanalmente, só me restou sentar e ler tudo para não ser mais surpreendida no falecido Twitter! Sim, eu cheguei a ler mais de 30 capítulos em um dia. O arco começa em 31 de Outubro, na comemoração de Halloween em Shibuya, distrito de Tóquio. Uma série de barreiras caem do céu aprisionando milhares de civis. Os feiticeiros Jujutsu são convocados para investigar o caso, especialmente Satoru Gojo, o personagem central do plano das maldições que o arquitetaram. Esse é um arco com elementos clássicos: muitas lutas, lutas entre parentes que não sabem que são parentes, volta de personagem que você achou que tinha morrido, assassinato em massa, tudo no submundo de Tóquio. Se o arco fosse um episódio de Game of Thrones, seria o Casamento Vermelho. Acho que esse tom sombrio me atraiu para ler além de assistir, esse é o primeiro mangá que estou realmente acompanhando e amando, mais uma vez pensando que obras ocidentais muitas vezes não oferecem roteiros tão complexos e mirabolantes como as orientais. Desculpa gente, estou muito na skin de otaku!!
Filipe: Feliz Ano Novo, Rubem Fonseca (Nova Fronteira, 1975). O gênero policial/noir sempre me instigou, mas nunca fui seu maior fã. Eu gosto mais de dramas psicológicos, de histórias que se embrenham nos meandros das relações entre os personagens e nas motivações que os levam a realizarem suas ações. Nos 15 contos que compõem a coletânea, Rubem Fonseca mistura as duas coisas, tendo como exemplo mais explícito o conto “Agruras de um Jovem Escritor”. Mas o autor vai além das tramas policiais e dos aspectos inerentes às personalidades dos seus personagens, pois suas histórias não se privam de descrever de forma gráfica os mais diversos crimes e os tipos humanos mais vis, e sem qualquer preconceito de classe, pois os ricaços de “Nau Catrineta” são tão escrotos quanto os favelados de “Feliz Ano Novo”. Como disse na minha resenha que postei no Instagram, é bom estar com o estômago preparado pra encarar essa obra.
O que ouvimos:
Jordana:
A Coach (Wondery, 2023. Por Chico Felitti). Quem diria que eu estaria aqui falando de podcast, ein? Sim, foi a primeira vez que eu escutei um! A ideia de ficar ouvindo uma história sem imagens nunca me atraiu muito não, mas esse eu ouvi com gosto por ser sobre a vida inacreditável da Kat Torres: nascida em uma família pobre, ela conquistou o mercado internacional como modelo, ganhou milhões de seguidores sendo um meme nos primórdios da internet como conhecemos hoje, escreveu um livro supostamente psicografado, virou coach, charlataneou dezenas de mulheres e agora se encontra em Bangu aguardando julgamento por tráfico humano e outras acusações. Sim, eu seguia a Kat Torres na época que os memes eram assim:
E seguia ela no Instagram até a época em que ela começou a postar foto pelada dizendo que os psicólogos deveriam ser presos. Sim. Ela foi de uma modelo engraçada que fazia piadas inocentes na internet para uma antivax trumpista golpista envolvida em incontáveis polêmicas que o Chico Felitti organiza cronologicamente e narra com seu bom humor e profissionalismo jornalístico.
Comentário do Filipe: ORA, ORA, VEJAM SÓ.
Something To Give Each Other - Troye Sivan (2023). Terceiro álbum de uma das nossas divas pops da atualidade. Troye disse que o álbum era algo que ele deu para os fãs: “um beijo em uma pista de dança, um encontro que vira um fim de semana, um crush, um verão. Festa após festa, pós-festa após pós-festa. Coração partido, liberdade, comunidade, irmandade, amizade. Tudo isso.” E tudo isso embalado com o combo de voz angelical + melodias pop dançantes. “One Of Your Girls” coroada minha faixa favorita.
1989 Taylor’s Version - Taylor Swift (2023). Enfim agraciados com a regravação do meu segundo álbum favorito da nossa loirinha, premiado álbum do ano na época do lançamento original. Mais uma vez, fica aqui minha admiração por ela estar regravando todos os álbuns para que possa ser dona da própria música. A regravação deixou ele ainda mais synthpop anos 80, mas com a voz mais madura da Taylor que eu amo. Confesso que eu esperava alguns feats (RIP “Style” com Harry Styles), mas as faixas inéditas “From The Vault” são incríveis, amei demais “Say Don’t Go” e “Is It Over Now?”, no momento minha cabeça canta de 30 min em 30 min a ponte dela.
Filipe: Mano a Mano com Marina Silva (Mano Brown e Semayat Oliveira, 2023). Spotify. No primeiro turno das eleições presidenciais de 2010, votei na Marina Silva, que ainda estava no Partido Verde, ao qual se filiou depois da treta com a então ministra Dilma Rousseff, que culminou na sua saída do governo e do PT. Eu já conhecia algumas passagens da história dela, como o fato de ser filha de cearenses, de ter se alfabetizado apenas aos 16 anos, de ter sobrevivido a várias doenças, inclusive à meningite, entre outras. Mas nessa entrevista ao Mano Brown, ela fala de muito mais fatos da sua vida pessoal e política, além de refletir sobre questões atuais do Brasil e do mundo com uma lucidez ímpar. Ela cita a Bíblia e a Constituição Federal com a mesma intimidade e, em nenhum momento, faz qualquer tipo de proselitismo, mantendo a coerência que lhe é característica a não ser quando se misturou com certos tucanos que até beijaram sua mão. Pra quem não a conhece a fundo, é uma ótima oportunidade e, pra quem já a conhece, as mais de duas horas de entrevista valem muito a pena pra reafirmar a inevitável admiração pela sua personalidade.
1001 Discos para Ouvir Antes de Morrer. Vamos lá! Desde a última news, foram sete semanas (da 82 à 88), então vou apenas listar os discos:
Semana 82: Emergency on Planet Earth, Jamiroquai (1993), 41º lugar
Semana 83: Violent Femmes, Violent Femmes, (1983), 28º lugar
Semana 84: Trans-Europe Express, Kraftwerk (1977), 35º lugar
Semana 85: Tical, Method Man (1994), 84º lugar
Semana 86: The Kinks Are the Village Green Preservation Society, The Kinks (1969), 61º lugar
Semana 87: Live At The Star Club, Hamburg, Jerry Lee Lewis (1964), 14º lugar
Semana 88: Bayou Country, Creedence Clearwater Revival (1969), 46º lugar
As playlists com minha música preferida de cada disco estão atualizadas no Spotify e Deezer.
Depois de 88 semanas, o top 10 continua o mesmo:
Viva Hate - Morrissey (1988)
At Mister Kelly's - Sarah Vaughan (1957)
Californication - Red Hot Chili Peppers (1999)
First Band on the Moon - The Cardigans (1996)
Moon Safari - Air (1998)
Being There - Wilco (1996)
We Are Family - Sister Sledge (1979)
Everybody Knows This Is Nowhere - Neil Young with Crazy Horse (1969)
A Rush of Blood to the Head - Coldplay (2002)
Paris 1919 - John Cale (1973)
Quem somos:
Jordana: Graduada em Psicologia. Acabou enveredando para a tecnologia, onde atua com suporte técnico e search engine evaluation. Gosta de filmes e séries de boneco (lê-se Marvel, DC, Star Wars, Lord of the Rings e mais), anime, gatos, literatura e de estar com quem se ama. Comanda o @fortalendo no Instagram e já publicou textos no Bemdito.
Filipe: Graduado em Letras. Já trabalhei como professor, mas hoje atuo como tradutor freelancer. Passei a gostar de cachorros recentemente, mas ainda tenho ressalvas quanto a tomar sorvete na sobremesa. Escrevo de forma amadora e bem esporádica e talvez um dia eu tome vergonha e publique um livro. Tem alguns dos meus textos aqui.